Enxergo o
mundo através de pedaços de vidro. Nunca vou saber se as cores e formas são
para mim, como são para as outras crianças. Sei, somente, que ao abrir os olhos
pela manhã vejo um mundo sonolento, embaçado como aqueles quadros borrados que
os adultos gostam.
Minha mãe
sempre diz para eu tomar cuidado com meus arrumadores de visão. Para não deixar cair.
Para não riscar a lente. Crianças não são cuidadosas consigo mesmas. Mas dos
óculos, cuido como se fosse coisa de outro alguém que a gente deve ter o maior zelo.
Acho que
fiquei errada por causa disso. Eu gostava de jogar queimada e handebol. Até o
momento em que não consegui mais fazer isso sem os quatro olhos. Meus colegas
não são burros. Logo se aproveitaram do meu ponto fraco nas aulas de Educação
Física. As bolas começaram a voar na direção dos meus óculos. Então fui ficando medrosa. Cada vez mais
escondida atrás dos outros, fui sumindo aos poucos. Até ser a última escolhida
para o time. Até sentir um desconforto enorme por não gostar da aula mais
esperada da semana e me transformar em uma criança diferente.
Mas ainda
gosto de brincar de historinha, desenhar e jogar futebol com os primos. Eles
não me zoam porque eu sou a mais velha. É meu trunfo! Espero que eles nunca
descubram como se faz isso. É uma coisa triste.
Acho que
nunca derrubei meus óculos no chão. Mas consigo andar no escuro, pois não tenho
medo e decorei os caminhos seguros de casa. É engraçado. Eu poderia ser
corajosa e viver sem os óculos. Mas mamãe diz que dá dor de cabeça. E eu também
não gosto nada de enxergar pela metade. É como se eu estivesse sendo enganada
pelo mundo. Como se fosse uma pegadinha sem fim, como as bolas jogadas na
cara.
Minha
irmã mais nova não é como eu. Ela não liga muito para os óculos. Deixa cair.
Quebra. Mamãe vive brigando com ela. Mas ela se esquece de prestar atenção. Vive
no mundo da lua, como diz o papai. Já eu, vivo agarrada ao planeta Terra. Cheia
de preocupação com os buracos pelo caminho. Cheia de medo que as lentes de
vidro se espatifem e eu perca a única possibilidade de observar o mundo da
forma como as pessoas com olhos bons enxergam.
Jessica
ResponderExcluirFiquei encantado com o teu texto. Prosa poética, crônica, pouco importa. É um texto que prende e toca. Queria ler outros. Belo estilo.
Bjs
Jacinto
Obrigada, Jacinto! Fiquei até emocionada com o seu comentário. É muito significante a opinião de um poeta tão brilhante como você. =*
ExcluirQuerida Jessica, companheira de vistas protegidas por escudos invisíveis, encontro afinidade e poesia nas suas linhas. Obrigado e vida longa!
ResponderExcluirFabiano
Obrigada pelo comentário, querido Fabi! Um beijo grande!
ExcluirDenota-se bem o arquétipo "terra" e o arquétipo "ar/fogo" de sua irmã mais nova... rs. Parabéns pelo texto, espero poder ler mais! :D
ResponderExcluirÉ mais ou menos assim: a criança protagonista tem ascendente em Touro. Já sua irmã, tem ascendente em Sagitário. Deu pra entender? Hehe. Beijos e obrigada pelo comentário.
ExcluirJéssica, adorei. Consegui ver o mundo através de suas lentes e me prendi ao texto até o fim. Vamos jogar queimada?
ResponderExcluirCristina
Cris, obrigada pelo comentário! Vamos jogar sim! Continuo medrosa mas agora tenho as empoderadoras lentes de contato. Rss. Beijos
ExcluirMenina, se o seu olho não é bom, para tudo. Lindo seu texto. Lindo seu olhar. :)
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Claudia! (:
ExcluirEntrei tanto na história que me senti como uma amiga de infância...que por um momento pega seu óculos emprestado e vê o seu mundo... Beijos
ResponderExcluirQue lindo comentário, Carol! Adoro tê-la por aqui!!!
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