Acordou num susto. Todo dia é assim. O despertador faz o coração bater errado, fora de ritmo logo cedo. Olhou para o
lado, não está escuro. A claridade entra pela janela sem pedir licença. Vai
cambaleando beber um copo d’água com remédio. O coração continua todo errado. Mas o corpo dá seu jeito, mecânico talvez, para impedir que algo saia errado. E segue no automático. Café, café, um cream cracker, mochila e rua. Quem sabe
hoje vai contar os passos. Não sabe quantos são até o ponto. Mas o caminho é sempre o
mesmo. De olhos fechados saberia de quais desníveis da calçada desviar. Porém, segue com eles abertos, é muito mais seguro.
E o coração ainda está errado. Não tem
sorte com os ônibus. passam direto. Imagina como deve ser com os velhos. Imagina como será sua velhice. Talvez já esteja nela. Não sabe avaliar essa
coisa de idade mental, emocional, física... e pra piorar, não se exercita. Dizem que quem não se exercita, debilita. Mas lê livros para evitar o alzheimer. E existem os remedinhos. Os paliativos do fim de semana, e da semana, quando é
imprescindível. álcool, cigarros e cafeína. O ébrio é uma criança? Acha que
sim. A anestesia cura um momento ruim. Está tentando se anestesiar sem nada. Mas
crê ser um fracasso nisso. O máximo que consegue é automatizar. Porém isso não é
infantil, não é feliz. Essa tentativa de ser "máquina" é falida. E como as máquinas, ela também pifa. Aí, então, alguém vem e lhe dá um chute para
funcionar direito. Assim as peças ficam cada vez mais frouxas por dentro. Uma
hora vai parar de funcionar?
O coração bate todo errado dentro do ônibus
onde escuta Sonic Youth para alimentar a rebeldia. Vê a praia. Compara seu
humor ao das ondas. O dia será como? Essas pessoas ao ar livre parecem felizes. Mas não acredita que sejam. Tudo é tentativa de felicidade. Sabe que isso é um
clichê. Porém é do tipo que incomoda. Gosta de pensamentos e ideias incômodas. Assim
como do humor ácido. Acha graça no mau humor. Talvez ele seja mais sincero. Ah,
os bem humorados e suas atuações fracas! Acham que ao transformar o mundo numa
piada, tornarão a vida menos grosseira? Ingenuidade! Ela prefere rir das coisas
como são, sem as máscaras do bom humor.
Continua seu caminho diário para a tortura. E o coração ainda bate todo errado. Trabalha num emprego que não escolheu. Sabe
que não poderia reclamar, afinal, é assim com a maioria, não é?! Se sente numa
gaiola quando assume seu posto. Então fica com pena dos passarinhos aprisionados. Eles
também não escolheram aquele lugar. Mas cantam mesmo assim. Fica pensando se
cantar poderia ser um paliativo também. Então, concluí que é mais fácil ouvir
música. Mas pode ser que se distraia demais, correndo o risco de acontecer toda
aquela história dos chutes para funcionar. Melhor não! Emburrece na internet,
nas redes sociais e faz pesquisas idiotas no google para se inteirar de um
mundo do qual não sabe participar. Na hora do almoço foge das conversas fúteis. Aguarda, desrespeitando o estomago, por um almoço mais tranquilo.
O coração ainda bate torto. Sente
melancolia porque se cansou da angústia. Então se lembra do livro Alta
Fidelidade onde o protagonista acredita que toda melancolia é culpa do rock. Dá
um sorriso. As músicas tocam-na quando são tristes. Acha bom sentir qualquer
coisa. Se assusta quando não sente nada porque dá impressão de não viver.
O dia termina com a tarde. O coração
descompassado. Lembra do dia perdido com coisas maquinais, e se pergunta se
essa palavra existe. Curte a insatisfação e não deseja a plenitude. A vida é
boba! Pensa que nunca vai conseguir o tal
status. Mas segue o fluxo
mesmo assim. Não sabe se um dia se transformará numa pessoa megalomaníaca e avarenta. Não é algo impossível. A mudança, assim como a morte, é coisa certa. Esse
pensamento a deixa triste.
O céu é escuro. Melhor assim pra quem tem
miopia. Ela sente o corpo mais
vivo a noite. Fuma e fuma e fuma. Encontra pessoas, se distrai e bebe. Chega em
casa e lava a alma e o corpo no chuveiro, numa miscelânea pouco imaculada. Muita
sujeira acumulada ao longo do dia. Liga o ar condicionado, gosta do frio. se
enfia embaixo do edredom. Mas ainda há muita tensão para dormir. Toma o último
remédio. Liga a TV para desligar os pensamentos. O coração ainda errado. E só
então se dá conta que ainda não se recuperou do susto do despertador, e passa a
noite rolando na cama com o medo do próximo
priiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim.
Muito foda, parabéns, vc é muito autêntica no que escreve.
ResponderExcluirGustavo Bastos
Valeu Capixa!!! =D
ResponderExcluirJessica
Abigaaan, que post excelente!
ResponderExcluirAdoro você "proseando poesia". =P
O despertador, este maldito, não passa de uma desculpa que damos para o nosso mau humor. Quando o compromisso é prazeroso, o despertador é interno. Ele toca para, só então, o da máquina soltar seu estridente toque. Quando já estamos despertos.
Mas pq estou falando isso? Não é nenhuma novidade para a senhorita. hihihi
Congrats pelo lindo texto!
A idéia do "despertador interno" é ótima! rsrsrs. Muito verdade Fefs. Quando o motivo para despertar é agradável, tudo acontece de maneira natural.
ResponderExcluirObrigada pelos elogios! Fico feliz! =D
Adorei, Jessica, muito bom! Parabéns!beijos
ResponderExcluir=D
ExcluirMuito bom Jess! Curti!
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