Eu já havia cumprido metade do expediente sem absolutamente nada para fazer. Pairava acima da minha cabeça uma nuvem de tédio, densa, de um cinza chumbo prestes a desabar as horas vendidas a preço de banana em cima de mim. Mas não poderia ser diferente. Ouso desconfiar que o ser humano não foi feito para ficar sentado quase um dia inteiro na frente de um computador de design ultrapassado, esperando algum cliente chegar para, finalmente, poder desempenhar seu bem treinado papel de funcionário prestativo.
Restava-me esperar pela chuva, já que o céu ameaçava um temporal. Ficaria feliz em poder observar movimento e continuidade daquele meio metro cúbico que chamam de guichê. Mas a água se recusava a cair. Era mais um daqueles dias de expectativa furada. Nada fluía, uma estagnação total.
Então passou uma mulher toda apressada, mexendo na bolsa, falando ao celular e olhando o sinal pra atravessar a rua. Uma caneta caiu. A minha primeira reação foi sair correndo para pegá-la, para, quem sabe, devolver se desse tempo. Mas fiquei parada, constatando como essa vontade não surgia nas pessoas e como foi crescendo em mim outra vontade, a de observar o destino daquela caneta.
Ninguém olha mesmo pro chão, imagina se pisam na merda! Eu me preocupo muito, por isso, ando sempre olhando pro chão. E sei que isso deve parecer estranho demais. Mas gosto muito de ter meus calçados livres de caca. Porque tirar aquela merda que fica nas ranhuras da sola é, arghhhhh, terrível.
Ninguém olhou a caneta. Uma mulher passou correndo e, crac! Fez aquele barulho engraçado. Um casal abraçado pisou junto, observei bem através dos meus óculos grossos. Mais um pisou. Sentiu não ser o chão, então olhou, era uma caneta, estava toda quebrada. Pois é né! Antes fosse uma nota de dois reais semi rasgada pisada e molhada (eu pensei que ele pensou isso, pela cara que ele fez). A carga estava intacta, concluí.
Não me lembrei, ao me libertar da prisão remunerada, de verificar se os restos da caneta ainda estavam por alí. Eu também estava com pressa como todos e, se olhei pro chão, foi pela velha mania de morrer de medo de pisar no cocô.